O que há entre a cabeça e a mão que sustenta o lápis?

Não é de hoje que ouvimos a sociedade julgando a escola dizendo que os alunos passam para o ano subseqüente “sem saber nada”. Não é preciso que façamos uma pesquisa, usar tabelas e gráficos e nem pesquisas oficiais para saber que essa afirmação é verídica. Por outro lado, também não podemos em réplica dizer que essa afirmação é falsa. E também para tanto basta ser professor. Entretanto, o jargão mais comum que se ouve por aí é que hoje vale a “promoção automática” para se descrever a Progressão Continuada instaurada pela LDB. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em sua Seção III, Art. 32, Inciso IV:
“§ 1º. É facultado aos sistemas de ensino desdobrar o ensino fundamental em ciclos.
§ 2º. Os estabelecimentos que utilizam progressão regular por série podem adotar no ensino fundamental o regime de progressão continuada, sem prejuízo da avaliação do processo de ensino-aprendizagem, observadas as normas do respectivo sistema de ensino...”
Ora, a minha interpretação da lei não sugere em nenhum momento a “promoção automática”, mas sim o desafio de se encontrar um caminho que leve os alunos realmente a conseguir apreender e fazer uso do código alfabético de escrita. A intenção aqui não é advogar em favor ou contra este ou aquele sistema de ensino e, tão pouco este ou aquele método de ensino, mas sim tentar encontrar caminhos, maneiras de se ajudar o aluno. Não é incomum encontrarmos alunos que passaram pelos 1º, 2º, 3º e 4º anos de ensino sem conseguir fazer uso da escrita quando adentram o 5º ano de ensino. Isso não quer dizer que o aluno chegou a esse grau de ensino totalmente “vazio”. É impossível se dizer que o aluno não entrou em contato durante esses anos com o código de escrita, até porque seu contato com a escrita vem desde a mais tenra idade. Costumo trabalhar com crianças entre 4º e 5º anos e constantemente tenho me deparado com esse tipo de situação. Não é necessário dizer que o trabalho é intenso e cansativo, mas se assim não o fosse não seria compensador. Hoje lembrei-me de uma aluna que tive em 2.008 num 5º ano que ainda não tinha se alfabetizado. Apoiado em estudos e pesquisas publicadas por Magda Soares, Telma Weisz, Emília Ferreiro e outros tantos autores que já fazem parte do folclore pedagógico percebi que o necessário para se obter sucesso é persistência e outro enfoque dado as atividades em sala de aula.
Procurei fazer um trabalho diferenciado em sala de aula buscando fazer parte do cotidiano a leitura de várias histórias, tentando fazer com que os alunos desenvolvessem o gosto pelas letras. Minha intenção era que a aluna entendesse o que eram e para que serviam as letras. Aquelas mesmas letras que conheceu logo cedo, ainda em casa, na rua, em tantos outros lugares e... na escola.
Trabalhamos com o conto de fadas Cinderela. Depois de fazermos várias atividades de interpretação, escrita, audição de outras versões os alunos foram convidados a reescrever a história. Essa foi a primeira produção da aluna:

Senti uma frustração muito grande, achei que não tinha atingido meu objetivo. Foi quando lembrei-me de uma professora de um curso de especialização que dizia: “é a intervenção do professor na hora certa que trará o progresso do aluno” (Iara Arfelli). Resolvi então solicitar que a aluna lesse sua escrita. Após sua leitura disse que tinha ficado muito boa e que queria guardar, tentando levantar sua autoestima. Dei meu caderno e ditei a ela exatamente o que me havia dito, aí minha surpresa, veja o que ela produziu:








A mesma aluna produziu essas duas escritas para a mesma história. A primeira provinha de sua própria cabeça, a segunda ─ apesar de ter a mesma origem ─ foi ouvida e prontamente escrita.
Ainda me pergunto o que deve haver entre a cabeça e a mão que sustenta o lápis?

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